quinta-feira, 20 de março de 2014

Da vida dos outros que também é a nossa.


"Tendo a achar que minhas amigas magras têm prioridade. E estou quase sempre certa". 


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Peço licença para publicar um texto que não é de minha autoria mas, em todos esse anos eu nunca achei um texto que descrevesse com tamanha perfeição tudo o que já passei. 

Só quem já passou por isso entende os olhares de reprovação que todas nós gordas já recebemos um dia por não nos enquadrarmos no papel do corpo perfeito. 

Mas eu tenho esperanças sinceras de que isso um dia ainda mude. 


Beijos,

Paola.


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Minha vida de gorda


Eu cresci da mesma forma que várias meninas. Com um agravante: sempre fui gorda. No início da adolescência, ouvia dentro de casa que todas as minhas amiguinhas eram magras e lindas, e eu era gorda. 

Ouvia que, embora eu fosse inteligente, articulada e politizada, nenhum garoto ia me querer, porque eu era gorda e as minhas amiguinhas eram magras e lindas. Eu ouvia que não conseguiria correr se fosse preciso, porque era gorda, e as meninas que andavam comigo, não. Ouvia que nunca teria namorado, porque era gorda, e todas as minhas amiguinhas teriam, porque eram magras.

Na escola, ouvia que eu era uma baleia assassina, orca, feia, gorda. Durante um tempo, na 6ª série, garotos e garotas da 8ª me perseguiam pelos corredores, me olhando e rindo, e quando eu perguntava o motivo, me chamavam de “magrinha” e riam. Sempre fui briguenta, a diretora acabou com a festa deles em dois tempos. Mas as consequências disso ficaram em mim pra sempre.

Fiz dieta, perdi vários quilos. Pra minha família eu estava, enfim, bonita. “Ainda poderia emagrecer mais”, ouvia. Mas cansei.

Já maior, quando comecei a sair e ficar com os meninos, ouvia outros meninos tirando sarro deles. Diziam sempre que gorda não é pra namorar, é pra comer e acabou. Eu era virgem. E durante muito tempo achei que ninguém ia querer me comer. Até acontecer de fato, eu achava que eles não quereriam mesmo.

Na faculdade, conheci todo tipo de gente. Me soltei, mas nem tanto. Ainda carregava comigo o estigma da gorda-feia-rejeitada dentro de casa, na escola e pelos garotos. Estudei numa federal, tinha todo tipo de gente lá. Inclusive gente que acha ok pegar mulheres gordas. Como já era esperado, me envolvi com movimento estudantil e, mesmo na militância, enfrentei alguns preconceitos. Mas já estava mais fortalecida, calejada, eu diria. Passei o rodo em algumas festas e chopadas da faculdade, me senti mais livre e confiante. 

Conheci um cara por quem me apaixonei de primeira, e ele por mim. Começamos a ficar e eu notava um distanciamento proposital. Entre idas e vindas, um dia a confissão: nunca pensei em namorar uma garota como você. Como eu? – questionei. Sim, gorda – respondeu. Foram anos de um relacionamento pautado no amor, mas também na minha insegurança.

Mais de quatro anos depois, solteira de novo, me vi tendo que pensar sobre isso de novo. Vivo entre o fio de duas espadas: a realidade concreta, que “separa as mulheres bonitas das gordas”; e meu inconsciente, que tende a jogar minha autoestima pro negativo. Eu pego os caras, é claro que pego. E não sou feia, não. 

Mas quem disse que eu consigo achar que aquele comuna barbudo gatinho vai me dar mole? Quem disse que eu consigo flertar naturalmente no bar? Não, não consigo. Tendo a achar que minhas amigas magras têm prioridade. E estou quase sempre certa.

Esse não é um desabafo deprimido. Eu estou bem. Só estou contando isso pra vocês porque pretendo contribuir pra que meninas não sejam criadas dessa forma. E pra que meus amigos parem de fazer piadas com gordas e gordos, de chamar alimentos saborosos de “gordice” e colocar a hashtag #vaigordinha a cada refeição feita. Espero ajudar a repensar. Mas se não ajudar, foda-se também, que me odeiem.

Sabem aquelas fotos que “flagraram” as expressões das pessoas ao olharem pra uma mulher gorda na rua? Então. Vira e mexe acontece comigo. E não, isso não é um estímulo pra eu emagrecer e “ficar linda”. É um estímulo pra que eu lute diariamente pra que minha sobrinha não passe por isso. E pra que eu lute contra as consequências das atitudes de idiotas como vocês. Não, eu não vou ser magra. Nunca vou ser. E a cada dia preciso reinventar formas pra lidar com isso. A cada dia preciso me ensinar a me amar. Eu poderia ter sido uma jovem normal, mas não fui. Graças a vocês. Obrigada por isso.


PS: Tem coisa que me faz mal. Não importa o quanto eu milite, escreva e opine sobre o assunto, não consigo me distanciar. Tá em mim, não sai, não tem como. Não tem solução.



Texto escrito por Mari Vedder no blog http://marivedder.wordpress.com/

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